Criado por ex-vedete, palco de Copacabana que marcou época volta reformado e com curadoria de Claudio Botelho, Charles Möeller e Nilson Raman
Por Vagner Fernandes
Após mais de uma década funcionando sem uma programação diversificada, praticamente restrita a peças infantis, o Teatro Brigitte Blair, em Copacabana, reabre as portas hoje com a promessa de resgatar um histórico glorioso, cujos espetáculos movimentaram a cena artística carioca em décadas passadas. Proprietária do teatro, Brigitte Blair comemora a nova fase — que terá curadoria de Nilson Raman, Claudio Botelho e Charles Möeller — e diz que em nenhum momento dos 58 anos à frente do espaço pensou em desistir.
—Estou entre as poucas fundadoras e donas de teatro que ainda se encontram vivas. Resistirei até o fim. Não está fácil, mas não deixarei para trás a minha carreira como empresária no setor. Tudo o que fiz foi por amor ao teatro e ao Rio. Sou uma heroína da resistência — vangloria-se Brigitte.
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A viabilidade para levar luz novamente ao palco decorre de uma conjunção de fatores. Primeiramente, Brigitte contou com o apoio de Nilson Raman, produtor e empresário do qual é amiga há mais de 40 anos. E, no início deste ano, um edital aberto pela Funarj, destinado ao estímulo à manutenção de teatros (de médio e pequeno portes), corroborou para que os planos avançassem.
—O edital nos proporcionou refletir sobre a programação e reorganizar administrativamente o que, de fato, desejávamos para a casa. Mas é um recurso que cobre apenas 30% das despesas. O Teatro Brigitte Blair é um marco da cidade. Não podíamos perdê-lo. Desde a década de 1960, é um polo de resistência e democratização artística — pontua Raman, que se revezará com Möeller e Botelho na definição dos projetos.
Responsáveis por idealizarem e dirigirem produções que renovaram o conceito de musicais no Brasil, como “A ópera do Malandro” (2003), com a qual lotaram por dez meses o Teatro Carlos Gomes, na Praça Tiradentes, Botelho e Möeller têm uma bagagem que os credencia a alçar novos voos e a enfrentar desafios com recorrência. Entre 2002 e 2006, a dupla esteve à frente do Teatro Café Pequeno, no Leblon, reinventando um espaço com poucos lugares para um público ávido por novidades e qualidade cênica. Para o Brigitte Blair, Botelho sinaliza que não será diferente.
—Conhecemos bem o Brigitte e a Brigitte. E estamos nos debruçando sobre uma infinidade de projetos que irá reverberar por toda a cidade. Copacabana é um bairro importante de nossa iconografia musical e teatral. Por outro lado, a retomada veemente nesta pós-pandemia é fundamental para que nos fortaleçamos — ressalta Botelho.
A atriz Totia Meirelles dará o ponto de partida na nova fase do Brigitte Blair com “Herivelto como conheci”, peça baseada no livro de Cacau Hygino e Yaçanã Martins. O espetáculo narra, por meio de canções, a história de amor de Herivelto Martins com a segunda mulher, Lurdes Torelly, pela qual o compositor se apaixonara, levando-o ao rompimento com Dalva de Oliveira. Herivelto e Lurdes ficaram casados por 43 anos.
—O convite para reabrir o espaço tem uma enorme simbologia para mim. Trata-se do primeiro espetáculo em que assino a produção, aproximando-me ainda mais da história da Brigitte. Somos duas mulheres que, apesar das adversidades, continuamos na luta por uma arte de excelência —diz Totia, que estará acompanhada apenas pelos músicos Thiago Trajano (violão e bandolim) e Guilherme Borges (piano).
Nos próximos dois meses, o Teatro Brigitte Blair receberá uma programação intensa, que já evidencia a diversidade pela qual a casa se pautará nesta nova fase. Quartas e quintas estão reservadas para os shows (na próxima semana, dias 21 e 22, Joyce Cândido canta Chico Buarque), enquanto sextas, sábados e domingos para o teatro e os musicais. Os espetáculos infantis continuam aos sábados e domingos, às 16h. Entre os destaques, estão “Cole Porter e outros amores”, “Márcio Gomes revive Dick Farney” e a estreia da nova montagem de “Brasileiro, profissão esperança”, que tem Claudio Botelho e Tânia Alves.
O Teatro Brigitte Blair, batizado inicialmente de Miguel Lemos, tem um histórico invejável. Por lá passaram Maria Bethânia com “Comigo me desavim”, primeiro show da cantora após o sucesso no Teatro Opinião, e Paulinho da Viola, também no início da carreira. Fundado em 1964, no auge da ditadura militar pela ex-vedete do Teatro de Revista Brigitte Blair, o local revolucionou a cena artística com uma programação plural, pautada por muita ousadia. Segundo Brigitte, foi no palco de seu teatro que se deu o primeiro strip-tease masculino do Brasil, protagonizado pelo ator Danton Jardim Gomes, na peça “Elas querem é leite”, cuja direção era assinada por Berta Loran.
— Quero trazer de volta essa atmosfera lúdica e bem-humorada do teatro — enfatiza Brigitte.
Em meados da década de 1950, Brigitte Blair ganharia mais notoriedade ao ser eleita uma das Certinhas do Lalau, título concedido pelo jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que escrevia na revista Machete sobre o teatro rebolado. Indignado com a lista das Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano, assinada por Jacinto de Thormes, Ponte Preta revidou com a Lista das Mais Bem Despidas. Por quase uma década e meia, foram agraciadas 142 beldades, entre essas Wilza Carla, Ilka Soares, Anilza Leoni, Íris Bruzzi, Carmen Verônica, Mara Rúbia, Miriam Pérsia, Maria Pompeu e Virgínia Lane. Brigitte é a única remanescente do famoso time de “moças quentes” do Lalau.
Programação
“Herivelto como conheci”, com Totia Meireles. Sex e sáb, às 20h30. Dom, às 18h. Até 25 de setembro.
Joyce Cândido canta Chico Buarque. Qua e qui (dias 21 e 22), às 20h.
Claudio Botelho em “Cole Porter e Outros Amores”. Sex e sáb (dias 30 e 1 de outubro), às 20h30.
Infantil: ‘Um sonho de musical’. Sáb e dom, às 16h.
“Marcio Gomes revivendo Dick Farney’. Dias 7, 8 e 9 de outubro
Suzy Brasil e Thiago Chagas em ‘Cabaré Comedy Show’. Dias 15 e 16 de outubro.
‘Brasileiro, Profissão Esperança’, com Cláudio Botelho e Tânia Alves. Dia 21 de outubro.
Teatro Brigitte Blair. Rua Miguel Lemos 51H. Ingressos: R$ 80 (qua, qui, sex e dom) e R$ 90 (sáb). Infantil: R$ 35 e R$ 70.
via O Globo